Nasci em um dia qualquer de dezembro. Ao abrir os olhos, uma mulher , minha mãe, que não sabia se chorava ou sorria, segurava-me como um tesouro. Ao chegar em casa, vi muita gente, menos meu pai. Caminhoneiro, estava na estrada, a gente só se viu dez dias depois.
Para poder me pegar, para poder me pegar minha mãe fez o coitado tomar um banho de uma hora, até cândida teve que passar nas mãos. Pegou-me em seus braços e chorou. Chorou de alegria , de remorso por não estar aqui quando nasci, de preocupação com meu futuro.
Foi a primeira e única vez que vi meu pai chorar. Não tive muito tempo com ele, a estrada era sua morada, mas a cada volta para casa era uma alegria. Ele sempre me trazia um presente, ima figa da Bahia, uma pinha do Paraná, uma cuia do RS. Adorava todos eles, mas o que mas gostava era poder ficar em seu colo "dirigindo" o caminhão que não saia do lugar e tinha em minha boca o ronco do motor.
Ele nunca me levou em suas viagens, nem minha mãe, ele dizia: " a estrada é perigosa e o que anda sobre ela é mais ainda". Contentava-me em dar umas voltas pelo bairro olhando com atenção todos os movimentos dele, as trocas de marchas, o controle no volante e atenção no caminho.
Anos se passaram...a s minhas pernas cresceram, e passei a dirigir meu próprio caminhão. Meu pai, meu amigo, confidente, braço direito e agora companheiro de profissão. Viajávamos juntos, ás vezes nos encontrávamos em um posto qualquer pelas estradas, e as vezes até em casa. E foi em uma dessas voltas para casa que estranhei a movimentação. Muita gente, não era normal. Entrei e vi muitos parentes e minha mãe chorando.
Meu pai tinha morrido na estrada, um bêbado irresponsável entrou na contramão e ia chocar de frente com caminhão de papai, ele girou o volante todo para a direita, evitou o choque , porém, caiu em uma ribanceira, umas das muitas partes da rodovia sem proteção. O céu ganhou um anjo.
A vida continua, sempre na estrada, conheci uma boa moça com quem me casei. Procuro fazer do pouco tempo que estou em casa, o melhor dos tempos. Volto de uma viagem, ela abraçá-me carinhosamente e diz: "teremos um filho....".
Choro. Ah! meu pai por que o senhor não esta aqui para brincar com seu neto?.. ah! meu Deus, me de forças para criar essa criança. Meu filho nasceu, bonito como mãe, só descobri isso uma semana depois que chegou em casa. Estava atolado em uma dessas estradas esquecidas pelo governo.
Agora preciso rodar mais, mais estradas, mais entregas, buracos e meu filho....crescendo. Parece que cada vez que chego em casa ele esta maior, mais esperto, mais bonito. Sempre trago um presente, mas não sei por que , o moleque só quer ficar dentro do caminhão. Mas eu cobro os estudos, tem que estudar. Quero que ele seja doutor, engenheiro, qualquer coisa menos caminhoneiro. E o garoto é inteligente, os anos vão passando, o material escolar é caro, o frete é baixo. Para bancar as despesas com estudo, tenho que desdobrar , rodar muito, sem parar, até alguns rebites tomar. Tudo pelo meu moleque.
E o tempo passa, agora ele não quer mais brincar no caminhão, quer dirigir. Eu o levo para um campo de futebol abandonado e com total segurança deixo que ele aprenda a dirigir o caminhão, e não é que ele leva jeito. Mas isso está fora de cogitação, meu sacrifício e para formar um doutor , engenheiro , advogado.
Se formou no colégio e agora vem a tão sonhada faculdade. Ele se esforça, estuda , trabalha, chega tarde e acorda cedo, um bom menino, minha mulher soube educa-lo bem, afinal, tive pouco tempo com ele. Sinto saudades deles, estou na estarda há dez dias, mas...estou chegando, minha cidade, meu bairro , minha rua, minha casa. Minha mulher me abraça, me beija longamente , como que querendo recuperar o tempo perdido, isso é impagável. Meu filho, ah, esse já é um home e eu nem percebi, abre um sorriso como de quem aprontou algo.
Ele estende a mão me mostra um papel e diz: " Olha pai, tirei a carta de motorista categoria E, não quero ser médico, advogado, engenheiro. Quero ser caminhoneiro, como o senhor. Posso??
Texto: Francisco Reis.. Fonte: Revista caminhoneiro/agosto de 2013 n° 306
Por: Rogério Silva, Técnico em : Segurança do trabalho e Logística
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